SURGIMENTO DO TERMO BULLYING E APONTAMENTOS SOBRE O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Giovana Buffon Arce

                                                  Mestranda do Mestrado do Acadêmico em Letras/UEMS

Dr. Marlon Leal Rodrigues – NEAD UEMS

                                                            Dra. Rosangela Vargas Cassola – Faculdade Prime

 

Resumo

 

O presente estudo visa analisar o discurso “do surgimento do termo bullying”, suas denominações nos mais diversos países, inclusive no Brasil. Aspectos cronológicos em relação à sua origem e o momento no qual passou a ser objeto de pesquisas e estudos. Ainda, conceituou-se disciplina, indisciplina, violência, agressividade e bullying no ambiente escolar. Quais condutas e parâmetros definem essas práticas, quando deixam de ser meras brincadeiras entre crianças e adolescentes e passam a ter alto teor ofensivo, configurando a prática do bullying. Identificar as personagens que compõem a cena do bullying: vítima, agressor e espectador e quais os seus perfis. Destacar as formas de ocorrência: horizontal e vertical, inclusive a incidência em relação aos sexos feminino e masculino. O olhar e considerações sobre o fenômeno na ótica da psicologia e medicina, relatando os sintomas apresentados pelas vítimas e ainda a interpretação do judiciário para detectar, coibir e punir a prática do bullying.

 

Palavras-chave: análise; bullying; cronologia; personagens.

 

 

 

Abstract

 

The present study aims to analyze the discourse “of the emergence of the term bullying”, its denominations in the most diverse countries, including Brazil. Chronological aspects in relation to its origin and the moment in which it became the object of research and studies. Still, discipline, indiscipline, violence, aggressiveness and bullying in the school environment were conceptualized. What behaviors and parameters define these practices, when they stop being mere games between children and adolescents and start to have a high offensive content, configuring the practice of bullying. Identify the characters that make up the bullying scene: victim, aggressor and spectator and what their profiles are. Highlight the forms of occurrence: horizontal and vertical, including the incidence in relation to females and males. The look and considerations about the phenomenon from the perspective of psychology and medicine, reporting the symptoms presented by the victims and also the interpretation of the judiciary to detect, curb and punish the practice of bullying.

 

Keywords: analysis; bullying; chronology; characters.

 

Introdução

 

 

A análise proposta versará sobre o discurso “do surgimento do termo bullying”. Apesar desse fenômeno sempre ter existido, a aplicação de termo específico para nominá-lo surgiu após iniciarem-se estudos aprofundados para identificar o que configurava a prática do bullying.

No período que antecedeu a década de 70, brincadeiras corriqueiras ocorriam em diversos ambientes, inclusive nas escolas, resultando em diversão dos pares envolvidos ou causando certo desconforto, porém não havia uma conjectura para definir tais atitudes como bullying.

Afirma Silva (2010, p. 113) que “o tema só passou a ser objeto de estudo científico no início dos anos 1970”, sendo o tema muito antigo, tanto quanto as escolas, apesar de não existir termo específico para qualificá-lo.

Em 1980, Dan Olweus iniciou um estudo envolvendo taxas de ocorrência e formas pela qual se apresentava a sua prática (SILVA, 2015, p. 113 – 113).

Foi na década de 1990 que se intensificaram os estudos e pesquisas no Brasil por profissionais da área educação, passando-se a defender os direitos das crianças e adolescentes, visando a prevenção da violência nas escolas, partindo então para a divulgação do fenômeno.

 Para Silva (2015, p. 117 – 118) “há muitos anos, especialmente a partir da década de 1990” vários países intensificaram o trabalho sobre o bullying.

A palavra bullying, no Brasil, foi ouvida pela primeira vez a partir de 2001 através da “ABRAPIA (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência) e do seu fundador – o médico pediatra Lauro Monteiro.” (SILVA, 2015, p. 116).

Os estudos sobre a fenomenologia bullying assumiram, nos últimos tempos, proporções internacionais. Entretanto, uma das dificuldades encontradas pela maioria dos pesquisadores é quanto a encontrar termos, em seus idiomas, que correspondam ao sentido da palavra bullying (FANTE, 2011, p. 28).

A partir de 2002 e 2003 iniciaram-se pesquisas relacionadas ao tema.

O termo bullying até pouco tempo atrás era praticamente desconhecido e até a atualidade não há tradução para o português. Sua origem é inglesa e qualifica inúmeros comportamentos violentos no ambiente escolar

[…] é utilizado para qualificar comportamentos violentos no âmbito escolar, tanto de meninos quanto de meninas. Entre esses comportamentos, podemos destacar agressões, assédios e ações desrespeitosas realizados de maneira recorrente e intencional por parte dos agressores. (SILVA, 2010, p. 19).

Para Fante (2015) pedagoga, historiadora e pioneira nos estudos de prevenção da violência escolar, algumas manifestações do comportamento no contexto escolar são

Um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais. Fante (2015, 28-29)

Como ocorre de forma oculta, faz com que cause desconhecimento da maioria das pessoas que cercam a vítima e para esta, incertezas, indiferença e falta de valorização.

Silva (2010, p. 19) define o termo bully como “indivíduo valentão, tirano, mandão, brigão”, aquele que pratica a ação, de forma contínua, reiteradamente.

Ressalta-se que os bullies são pessoas que normalmente gostam de poder e controle, e para satisfazer seu ego, buscam as vítimas dentre as mais vulneráveis e suscetíveis à prática do bullying.

 

Limites entre uma prática e outra

O bullying pode ocorrer em todos os lugares, porém, com maior incidência nas escolas, pois é ali que os pares se encontram com frequência e articulam o que irão por em prática, de que forma e elegem quem será a vítima.

Nem sempre a agressividade é o sinônimo da demonstração de violência e nem todos os conflitos instaurados na escola configuram a prática do bullying, pois este é um tipo específico de violência exposta, composta por microviolências constantes, reiteradas e intencionais, segundo Garcia (2013) são três as características que determinam a prática do bullying.

Entre as várias características que compõem essa violência, a primeira é saber que o que diferencia o bullying de uma brincadeira entre alunos é a intencionalidade do agressor em causar um sofrimento à vítima. A segunda característica é que, por serem intencionais, as agressões se repetem com o tempo. Em terceiro lugar, podemos dizer que há um desequilíbrio de poder físico ou psicológico entre autor ou alvo, tornando possível a intimidação da vítima. Portanto, diferentemente de uma brincadeira ocasional, há uma violência sentida por quem é vitimizado e, sobretudo, essa violência acontece cotidianamente fazendo a vida dessa criança ou adolescente parecer um inferno a seus olhos. (GARCIA, 2013, p. 49).

Há uma linha tênue entre brincadeiras normais e o bullying. Para entendermos as causas determinantes do comportamento agressivo ou violento e não confundirmos o bullying com outros comportamentos agressivos é imprescindível conceituarmos os termos disciplina, indisciplina, violência, agressividade, para então definirmos o bullying.

As agressões que se caracterizam pela eventualidade, típica do amadurecimento das crianças e adolescentes e sem intencionalidade, não caracterizam o bullying. Caso essas agressões ocorram de forma repetitiva, com intencionalidade, manifestação de desigualdade de poder e sempre com a mesma vítima, haverá indicativos contundentes da prática deste tipo de violência.

Para um melhor entendimento sobre indisciplina, temos primeiramente que definir quais parâmetros e paralelos compõem a disciplina e quais regras deverão ser respeitadas e cumpridas. Para o psicoterapeuta clínico Tiba (1996, p. 99), “a disciplina, num sentido mais geral, é um conjunto de regras éticas para se atingir um objetivo”.

Disciplina vem da palavra discípulo/aquele que segue e indisciplina é o comportamento que se opõe à disciplina, ou seja: desordem, bagunça. Para que o ambiente escolar num todo, possa fluir naturalmente, deve haver um alto índice de disciplina, caso contrário, torna-se impossível sua gestão.

Garcia (2013, p. 17) cita que Jan Amos Comenius há quase 400 anos escreveu em sua principal obra, a Didática Magna, que “uma escola sem disciplina é como um moinho sem água”.

A explicação é objetiva, pois um moinho não funciona sem água, tão certo como uma escola também não funcionará sem disciplina. Infelizmente a indisciplina sempre se fez presente no ambiente escolar.

A partir do momento que não há essa interação e respeito pelas partes e os limites estabelecidos são rompidos, nos deparamos com a indisciplina.

Não há que se falar em escola sem nos remetermos a ambas: disciplina e indisciplina, pois são como o sol e a lua, uma aparece quando a outra se esconde, logo, ou o estudante é disciplinado ou indisciplinado.

Disciplina escolar para Tiba (1996, p.99) “é o conjunto de regras que devem ser obedecidas para o êxito do aprendizado escolar.” É fator determinante da disciplina, a qualidade de relacionamento humano, entre professores, estudantes, nos diversos ambientes da escola.

A indisciplina faz parte do contexto escolar, é um reflexo da inadequação de estudantes em relação à escola, os quais não se moldam aos parâmetros escolares ou vice-versa; pode ocorrer também da escola em relação aos estudantes, incluindo nela, práticas, métodos, teorias e materiais ultrapassados, inadequados e inoportunos.

A Enciclopédia Larousse Cultural, define violência como “ato de força, impetuosidade, acometimento, brutalidade, veemência”. Fante (2011, p. 154) ressalta que em regra a violência resulta da ação, ou da força irresistível, praticada na intenção de um objeto que não se teria sem ela.

No entendimento jurídico, a definição de violência se restringe a coação, constrangimento, para vencer a capacidade de resistência de outrem.

A agressividade pode ter vários sentidos e ocorrer de formas variadas e hostis.

O termo agressividade também é polissêmico, sendo empregado em diversas situações e com sentidos diferentes. De acordo com o dicionário ilustrado Koogan/Houaiss, é “a tendência a atacar, a provocar”. (FANTE, 2011, p. 156).

Fante (2011, 156) define o termo agressividade sob a ótica da psicologia: é “a forma de desequilíbrio psíquico que se traduz por uma hostilidade permanente diante de outrem”.

Após a análise realizada com os conceitos das diversas formas de agressões e violências que podem vir a ocorrer no ambiente escolar, definiremos o termo bullying:

[…] já a expressão bullying corresponde a um conjunto de atitudes de violência física e ou psicológica, de caráter intencional e repetitivo, praticado por um bully (agressor) contra uma ou mais vítimas que se encontram impossibilitadas de se defender. (SILVA, 2010, p. 19 e 20).

Ressalta-se, que o termo bullying é atualmente utilizado por definição universal, inclusive no Brasil, país este, onde “o tema violência tornou-se prioridade de todas as escolas, motivo pelo qual inúmeros projetos e programas estão sendo desenvolvidos, visando a diminuição da violência escolar, com ênfase específica na violência explícita” (FANTE, 2011, p. 89).

É necessário apresentar os vários conceitos, para que haja compreensão das evidências apresentadas, proporcionando a classificação de forma pontual das formas de agressão e violência, que venham a ocorrer para que de forma determinante se possa conceituar o bullying.

Em poucas linhas Orlandi, (1988, p. 12) define: “compreender, eu diria, é saber que o sentido pode ser outro”. Nessa premissa, temos de compreender o que vem a ser o bullying, quais são as evidências que determinam essa prática, como é seu desmembramento, para então, relacionarmos o significado do termo à sua prática.

Nesse entendimento, de forma pontual selecionei o recorte a ser analisado, quer seja o discurso da “construção do surgimento do termo bullying”.

Para Foucault, (2014, p. 25) “o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta.” Nessa vertente, de forma geral há todo um entorno a ser analisado para identificarmos qual o significado dessa terminologia. Qual seu sentido? O que levou a utilizar tal termo? Qual sua origem? Quais motivos remeteram a nominação deste? Quais comportamentos condicionam a prática do bullying? Em quais circunstâncias identificamos sua prática?

Muitos países utilizam termos diferenciados, quer sejam: mobbing (Noruega e Dinamarca), mobbning (Suécia e Finlândia), harcèlement quotidién (França), prepotenza ou bullismo (Itália) yjime (Japão), agressionen unter shülern (Alemanha), acaso y amenaza entre escolares (Espanha) e maus-tratos entre pares (Portugal).

No entendimento de Orlandi (2001, p. 101 e 102), o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e faz com que como todas as evidências, inclusive aquelas que fazem com que uma palavra “designe uma coisa” ou “possua um significado”, na análise do discurso do sentido constante sobre evidências.

Foucault relata sobre comportamentos, gestos, circunstâncias, enfim, tudo que envolve e interfere diretamente na formulação de enunciados, no caso em análise, o termo bullying

[…] o ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam (e que, no jogo de um diálogo, da interrogação, da recitação, devem ocupar determinada posição e formular determinado tipo de enunciados); define gestos, os comportamentos, as circunstâncias, e todo o conjunto de signos que deve acompanhar o discurso; fixa, enfim a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de coerção. (FOUCAULT, 2014, P. 37).

 

Logo, percebe-se que deverão ser analisadas várias circunstâncias, comportamentos, quer sejam: estatura, força física, psicológico, ambiente, predisposição, caráter, inteligência emocional, tanto da vítima como do agressor para atingir a análise do discurso ora proposto.

Personagens que compõem a cena do bullying

A cena do bullying ocorre em locais obscuros e de acesso restrito àqueles que não fazem parte do grupo que almeja a sua prática.

É composta por muitas personagens e diversos enredos. As personagens podem ser classificadas em: vítima, agressor e espectador.

As vítimas se subdividem em três categorias, apresentando características diversas em cada uma delas.

Vítima típica: insegura, muito sensível, passiva e submissa: aquela que não se impõe perante o grupo.

É o aluno que apresenta pouca habilidade de socialização. Em geral, é tímido ou reservado e não consegue reagir aos comportamentos provocadores e agressivos dirigidos contra ele. Normalmente são mais frágeis fisicamente ou apresentam alguma marca que os destaca da maioria dos alunos: são gordinhos ou magros demais, altos ou baixo demais; usam óculos; são “caxias”; deficientes físicos; apresentam sardas ou manchas na pele, orelhas ou nariz mais destacados; usam roupas fora de moda; são de raça, credo, condição socioeconômica ou orientação sexual diferentes… Enfim, qualquer coisa que fuja ao padrão imposto por um determinado grupo pode deflagar o processo de escolha da vítima do bullying. Os motivos (sempre injustificáveis) são os mais banais possíveis (SILVA, 2010, p. 35 – 36).

Vítima provocadora: impulsiva, hiperativa e dotada de certa imaturidade. Consegue despertar interesse devido a perseguição aos agressores da prática do bullying.

Para Silva (2010, p.38) “é aquela capaz de insuflar em seus colegas reações agressivas, contra si mesma. No entanto, não consegue responder aos revides de forma satisfatória. Ela, em geral, discute ou briga quando é atacada ou insultada”.

É o estudante que incomoda os colegas de forma constante, o encrenqueiro, aquele que instiga os agressores à prática do bullying e quando essa acontece, não é autossuficiente para se defender, se tornando presa fácil.

Vítima agressora: Revida as agressões sofridas. Procura uma nova vítima, que seja mais frágil para descontar suas agruras.

Ela faz valer os velhos ditos populares. “Bateu, levou” ou “Tudo o que vem tem volta”. Ela reproduz os maus tratos sofridos como forma de compensação. Ou seja, ela procura outra vítima, ainda mais frágil e vulnerável, com o propósito de descontar todas as agressões sofridas. Isso aciona um efeito cascata ou de círculo vicioso, que transforma o bullying em um problema de difícil controle e que ganha proporções infelizes de epidemia mundial de ameaça à saúde pública (SILVA, 2010, p. 40).

São aquelas vítimas que passam a ser os agressores, como forma de defesa, para descontar a dor e o sofrimento que lhe foram impostos ou por simplesmente terem aprendido a pior das coisas: descontar o que sofreram no próximo e ver seu sofrimento como forma de compensação.

Os agressores compõem um seleto grupo, normalmente de contraventores ou estudantes envolvidos em pequenos delitos. Apresentam resistência quando são contrariados ou frustrados e apresentam desinteresse por estudar, resultando em rendimento deficitário. Não demonstram afeto pelo próximo, nem sensação de culpa ou remorso pela prática do bullying.

Eles podem ser de ambos os sexos. Possuem, em sua personalidade, traços de desrespeito e maldade, e, na maioria das vezes, essas características estão associadas a um perigoso poder de liderança que, em geral, é obtido ou legitimado por meio da força física ou de intenso assédio psicológico. O agressor pode agir sozinho ou em grupo. Quando está acompanhado de seus seguidores, seu poder de destruição ganha reforço exponencial, o que amplia seu território de ação e sua capacidade de fazer novas vítimas. (SILVA, 2010, p. 42).

Não há grupo predominante de agressores entre o sexo feminino ou masculino, ambos os sexos praticam atos perversos, mas de forma diferenciada.

As meninas normalmente são mais discretas, porém quando querem, não há limites para a maldade, são dissimuladas. Os meninos agem com mais brutalidade, geralmente com agressões físicas, porém o grau de maldade que externam, é similar ao sexo feminino.

Os expectadores, nesse espetáculo cruel, são a plateia, que durante a prática do bullying, normalmente se apresenta com indiferença aos atos da prática do bullying. Acompanham, observam e não se envolvem, portanto, indiretamente são partícipes.

São aqueles alunos que testemunham as ações dos agressores contra as vítimas, mas não tomam nenhuma atitude em relação a isso; não saem em defesa do agredido, tampouco se juntam aos agressores. (SILVA, 2010, p. 44).

Classificam-se em três grupos com características distintas.

Espectadores passivos: aqueles que se sentem constrangidos e de certa forma inibidos por apresentarem um perfil de fragilidade perante os demais. Temem poder se tornar a próxima vítima da prática do bullying.

Em geral, assumem essa postura por medo absoluto de se tornarem a próxima vítima. Recebem ameaças explícitas ou veladas, do tipo: “Fique na sua; caso contrário, a gente vai atrás de você”. Eles não concordam e até repelem as atitudes dos bullies, no entanto ficam de mãos atadas para tomar qualquer atitude em defesa das vítimas. Nesse grupo encontram-se aqueles que ao presenciar cenas de violência ou que trazem embaraços aos colegas, estão propensos a sofrer consequências psíquicas, uma vez que sua estrutura psicológica também é frágil. (SILVA, 2010, p. 44).

Espectadores ativos: aqueles que se divertem com o que veem. Não há envolvimento direto com a prática, porém nada fazem para resolver a situação.

Estão inclusos nesse grupo os alunos que, apesar de não participarem ativamente dos ataques contra as vítimas, manifestam apoio moral aos agressores, com risadas e palavras de incentivo. Não se envolvem diretamente, mas isso não significa, em absoluto, que deixem de se divertir com o que veem. É importante ressaltar que, misturados aos espectadores, podemos encontrar os verdadeiros articuladores dos ataques, perfeitamente camuflados de bons-moços. Eles tramam tudo e ficam apenas observando e se divertindo ao ver o circo pegar fogo. (SILVA, 2010, p. 45).

Espectadores neutros: normalmente estudantes oriundos de locais cuja violência é tida como normal e corriqueira, não conseguem diferenciar o contexto.

Entre eles, podemos perceber os alunos que, por uma questão sociocultural (originários de lares desestruturados ou de comunidades em que a violência faz parte do cotidiano), não demonstram sensibilidade pelas situações de bullying que presenciam. São acometidos por uma anestesia emocional, em função do próprio contexto social no qual estão inseridos. (SILVA, 2010, p. 45).

Com o passar dos tempos, verifica-se o poder de intimidação dos bullies em relação às vítimas e aos expectadores, pois ambos sentem-se compelidos, intimidados e ameaçados pelos agressores.

Formas da ocorrência do bullying

Acontece direta e indiretamente partindo do agressor em relação à vítima e nas mais diversas formas: verbal, física, material, psicológica, moral, sexual e virtual.

Na forma verbal, encontram-se: insultos, ofensas, xingamentos, gozações, apelidos, piadas e zoações.

Física e material envolvem chutes, espancamentos, empurrões, ferimentos, roubos, furtos e tantos outros.

Psicológica e moral se apresentam mediante constrangimentos e intimidações, chantageamentos, humilhações, exclusões, isolamentos e dominação.

Quanto à forma sexual, consiste em abusos, assédio, insinuações e até mesmo a vítima pode chegar a ser violentada.

A modernidade trouxe consigo novas situações, inclusive a forma virtual do bullying: cyberbullying ou bullying virtual e o sexting.

Ambos ocorrem por vias tecnológicas, de forma veloz, intensa e avassaladora, para isso, normalmente são utilizados modernos instrumentos da internet, principalmente celulares, os quais atualmente estão ao alcance da maioria da população, inclusive dos estudantes, devido a rapidez tecnológica.

Extrapolam os limites escolares e na forma virtual, os bullies cibernéticos, no caso do cyberbullying, também conhecido por bullying virtual criam falsos perfis para propalar mensagens caluniosas, difamatórias, mentiras, rumores, insultos, boatos e ofensas.

No sexting, ocorre o compartilhamento de fotos (nude selfie), vídeos sensuais com cenas de sexo ou cunho erótico, inclusive mensagens de texto picantes trocadas por casais durante um relacionamento. Nesse formato, há uma exposição da vítima de forma avassaladora, sem limites, pois a propagação de vídeos ocorre de forma rápida, sem controle e na maioria das vezes por mera vingança pelo término de um relacionamento.

Pode ocorrer na direção horizontal, ou seja, entre pares do mesmo nível hierárquico: estudantes com estudantes, professores com professores; e na direção vertical, com níveis hierárquicos diferenciados, quer seja: professores com alunos ou vice-versa.

O olhar da psicologia e da medicina para a prática do bullying

Há um olhar especial, tanto da psicologia como da medicina para o bullying em toda sua abrangência.

Para a Psicologia Moral, a partir de Piaget e outros autores, os valores morais que almejamos não são transmitidos, mas sim construídos. Garcia (2013, p. 55) destaca que são vividos na experiência dos conflitos cotidianos em que se pode pensar sobre os problemas, ouvir os envolvidos que podem dizer como se sentem.

Foi apurado por Garcia (2013, p. 55) que não gostam de se sentir violentados, ainda foi possível auxiliar estudantes que necessitam de sensibilidade moral, a se comover com o próximo.

A Psicologia Cultural abrange de forma complexa o fenômeno bullying, enfatiza que o ser humano pode modificar-se, inclusive transformar o meio em que vive.

Manzini (2017, p. 47) destaca que segundo essa abordagem “um dos fatores capazes de promover novas ações no espaço escolar e nas relações dentro da escola é a observação e reflexão acerca de práticas, crenças, valores e motivação das pessoas em interação”.

Lopes Neto (2005), médico pediatra, vai além, listando sinais e sintomas possíveis de serem observados em alunos alvo de bullying.

São eles: enurese noturna, alterações de sono, cefaleia, dor epigástrica, desmaios, vômitos, dores em extremidades, paralisias, hiperventilação, queixas visuais, síndrome do intestino irritável, anorexia, bulimia, isolamento, tentativas de suicídio, irritabilidade, agressividade, ansiedade, perda de memória, histeria, depressão, pânico, relatos de medo, resistência em ir à escola, demonstrações de tristeza, insegurança por estar na escola, mau rendimento escolar, atos deliberados e autoagressão. (PEREIRA, 2009, P. 64).

Comumente, os pais não são capazes de fazer uma leitura do que se passa com seus filhos, pois eventualmente a vítima manifesta de várias formas, inclusive físiológicas, psicológicas em relação a aversão que passam a ter de ir ao local onde ocorre a prática do bullying. Várias são as justificativas para evitar esse local, o que acaba acarretando insegurança, apatia e tristeza.

Pereira (2009, p. 64) relata que além dessas consequências, ocorre “o abandono da escola, por medo ou receio dos próximos ataques e nos casos mais graves pode chegar ao suicídio”.

Ordenamento jurídico brasileiro

 

 A partir do momento que ocorre o bullying, a vítima dentre tantas outras agressões, perde sua dignidade, pois passa a ser manipulada pelo agressor de forma constante e descontrolada, passa a praticar e executar ações que jamais faria se não fosse forçada a tal prática.

O princípio da dignidade da pessoa humana está assegurado de forma subjetiva em nossa Constituição Federal e tem como fundamento o estado democrático de direito.

A prática do bullying viola alguns direitos fundamentais elencados no art. 5º da CF/88, dentre eles:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

[…]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[…]

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

[…]

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

[…]

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

[…]

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; […]

Além de afrontar direitos fundamentais elencados na Constituição Federal de 88, a prática do bullying desrespeita princípios constitucionais, os quais podem ser aplicados através de interpretação extensiva e aplicação analógica na égide da lei processual penal.

A Lei 13.185/2015, importante passo do Poder Legislativo no combate ao bullying, por instituir o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, permitiu avanços no enfrentamento de um problema que eleva os índices de evasão escolar, a criminalidade e o uso de drogas por adolescentes e jovens.

             Intimidação sistemática, ou bullying, como popularmente conhecido, é todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas, nos termos da referida lei.

De acordo com o Art. 2º da Lei 13.185/2015, caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:

Art. 2º Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:

I – ataques físicos;

II – insultos pessoais;

III – comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;

IV – ameaças por quaisquer meios;

V – grafites depreciativos;

VI – expressões preconceituosas;

VII – isolamento social consciente e premeditado;

VIII – pilhérias.

Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.

Sabemos que a Lei 13.185/2015 visa o combate a intimidação sistemática, mas se faze necessário maiores informações e orientações sobre o tema. É ainda, válido mencionar que circula no Congresso uma nova lei, possivelmente para ser publicada em 2024, para apertar ainda mais os rigores da lei com relação ao bullying instituindo medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais.

Conclusão

Esta análise permitiu o aprofundamento sobre o “discurso do surgimento do termo bullying”.

Houve um estudo criterioso em relação a ordem cronológica dos estudos e pesquisas relacionados ao fenômeno.

Constatou-se que no período que antecedeu a década de 70, toda prática de brincadeiras era entendida como corriqueira, passando, então a se estudar cientificamente as práticas intencionais e reiteradas que afetavam fisiologicamente e psicologicamente os estudantes no início dos anos de 1970. Em 1980 iniciou-se por de Dan Olweus um estudo envolvendo taxas de ocorrência dessas práticas, sendo intensificados estudos e pesquisas em 1990. Por fim, a partir de 2002 e 2003 iniciaram-se pesquisas relacionadas ao tema.

Apresentou-se a definição de bullying e bully. Ressaltando-se que em nível mundial é utilizado o termo bullying, inclusive no Brasil, ressaltando-se que muitos países utilizam termos diferenciados.

Identificou-se a impossibilidade de separar os termos disciplina e indisciplina, pois desde que existem as escolas, ambas estão irraigadas ao ambiente escolar.

Como nem todos os conflitos configuram a prática do bullying, havendo limites tênues entre as diversas formas de agressão, foi necessário analisar o que se restringe a uma mera brincadeira entre crianças e adolescentes, o que passa a ser indisciplina, violência, agressividade e finalmente, com a prática constante e reiterada de violência física e moral o surgimento do “bullying”.

Conforme elencadas as formas de ocorrência do bullying, identificou-se que acontece direta e indiretamente partindo do agressor em relação à vítima e nas mais diversas formas: verbal, física, material, psicológica, moral, sexual e virtual.

Foram elencadas as personagens do bullying, seu perfil, postura e como procedem antes, durante e após a prática. Que a ocorrência se dá nas direções horizontal, ou seja, entre pessoas do mesmo nível e vertical, de níveis diferentes.

Ressaltou-se que o bullying pode ocorrer em vários locais, porém com maior incidência nas escolas, pois é ali que os pares se encontram e convivem com constância e normalmente em grupos variados.

Ainda foi possível vislumbrar a ótica da psicologia e da medicina no que se refere aos comportamentos e sintomas inerentes à vítima durante o sofrimento pela prática do bullying e do ordenamento jurídico brasileiro em relação à prevenção e coibição do mesmo.

Considera-se que para que o valor de respeito entre pares seja construído, há necessidade do exercício da empatia, de se colocar no lugar do outro, se sensibilizar, ouvir, sentir suas angústias e mágoas. Ainda, de um local acolhedor nas escolas, para que os estudantes se sintam valorizados, respeitados e que sejam ouvidos em relação ao tema analisado.

Referências

BRASIL. Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015. Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Diário Oficial da União: Brasília, DF, Seção 1, p. 1, 9 nov. 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-. Acesso em: 22 jan. 2023.

CALHAU, L. B. Bullying: O que você precisa saber: identificação, prevenção e repressão. 3 ed. Niterói: Impetus, 2011.

GARCIA, J. Indisciplina, conflitos e bullying na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2013.

FOUCALT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014.

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